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Ana Hortides
Cômodo

Curadoria de Raphael Fonseca

Sesc São João de Meriti
Rio de Janeiro, 2023.

O visitante atento perceberá que há um discreto jogo de palavras no título desta exposição de Ana Hortides: “cômodo” diz respeito tanto à área de uma casa, quanto a uma sensação de comodidade, aconchego e, para muitas pessoas, domesticidade.


Quando caminhamos pela galeria do SESC São João de Meriti, é bem possível que alguns de nós percebam elementos comuns a lugares comumente chamados simplesmente por “subúrbio”. Uma das primeiras coisas talvez seja o uso do azulejo quebrado em peças aqui mostradas, algo que remete a tantas casas que foram construídas em meados do século XX. Esses objetos trazem outra camada de informação que aparece em diferentes momentos da exposição: o uso do vermelho em tom que costuma remeter a algo gasto, tomado pela ação do tempo.


Em um tapete, em uma cortina, pintado diretamente sobre a parede ou em suas esculturas feitas de fragmentos de cerâmica, esse vermelhão predomina pelo espaço expositivo. A quais memórias o uso desta cor nos pode levar? Tardes de sol e churrasco? Aquele ócio após chegarmos da escola na casa de nossos pais ou avós? Banhos em piscinas de plástico? Se para alguns de nós esses elementos trarão memórias gostosas de um “tempo bom que não volta nunca mais” – acelerado, inclusive, pela especulação imobiliária que destruiu muitas casas que possuíam esse chão rubro -, para outras pessoas esses são indícios de infâncias e adolescências revestidas de melancolia e memórias suburbanas que devem ser apagadas.


É esta dubiedade na relação com o espectador que parece estar enfocada a pesquisa de Ana Hortides – essa exposição é cômoda para quem? As formas de suas esculturas não remetem a nada muito natural – talvez tenhamos visto outras prateleiras como essas durante nossas vidas, mas poderíamos dizer o mesmo da “criaturinha” que se esconde embaixo de um tapete ou de sua “barriga” feita de caquinhos? O que escondem seus tapetes e cortinas? E se, a partir do silêncio de seus trabalhos, enxergássemos neste uso do vermelho um fantasma da violência?


Há um vídeo incluído nesta exposição que é sintomático deste convite à imaginação do público – sobre um girovisão, acima dos nossos corpos, uma TV mostra uma imagem de chiado, o chamado ruído branco. Sinal da ausência de transmissão de canal televisivo, esse chiar pode ser associado ao começo ou final de algo – lembram daquele momento no meio da madrugada quando muitos canais da televisão aberta não programavam nada? Tratava-se do final de uma noite ou do começo de um dia?


Essa resposta, caros leitores, fica a cargo de vocês. Uma coisa é certa: vocês nunca mais olharão para os cacos do chão do subúrbio carioca da mesma forma.


Raphael Fonseca

[Fotos Rafael Salim]

Acesse o catálogo aqui.

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